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ANÁLISE

Westworld volta repaginada, mas precisa desatar nós de seu passado confuso

FOTOS: DIVULGAÇÃO/HBO

Imagem de Rachel Evan Wood em cena de Westworld como a personagem Dolores

Rachel Evan Wood interpreta Dolores na terceira temporada da série Westworld, que estreou na HBO

HENRIQUE HADDEFINIR

Publicado em 18/3/2020 - 4h50

O encerramento de uma série não significa o seu fim. Anos depois, ela pode ser refeita com outros atores, mas a mesma história, o que é chamado de "remake". Ou ela pode recomeçar com uma nova história, usando apenas parte da premissa original, o "reboot". Com Westworld, que estreou a terceira temporada no domingo (15), pode-se dizer que o público está diante do reboot de uma produção absolutamente viva.

Jonathan Nolan e Lisa Joy, criadores da série, anunciaram para todos, meses antes da estreia, que Westworld passaria por uma grande mudança e que os fãs veriam a série como nunca antes. A iniciativa, aparentemente, teria partido da própria HBO, que diante do grande investimento e da pouca popularidade da série, exigiu mudanças que a tornassem mais acessível.

Acessibilidade é um fator importante, já que uma das coisas que mais chamou a atenção quando a série estreou foi a sua narrativa fragmentada, construída de uma maneira que não facilitava a vida do espectador. Ao mesmo tempo, esse hermetismo estilizava a produção, tirava-a do lugar comum.

Com a estreia do terceiro ano, ficou evidente que os pedidos da cúpula da HBO foram atendidos. Aparentemente mais linear e compreensível, Westworld foi "simplificada". A questão é: o preço não acabou sendo alto demais?

Antes de responder a essa pergunta, vamos voltar um pouco no tempo e relembrar como chegamos até aqui.

O Labirinto 

Inspirada no filme de 1973, do autor e roteirista Michael Crichton (o mesmo de Jurassic Park), Westworld conta a história de um complexo de parques temáticos criados e administrados pela Delos. Os parques remetem a épocas diferentes da história e são povoados por robôs com inteligência artificial avançadíssima, capazes de chorar, rir, comer, fazer sexo e até se apaixonar.

Esses robôs são chamados de anfitriões. Eles são programados para nunca ferirem os humanos, embora possam ser "mortos" como parte do entretenimento dos visitantes. Os anfitriões são reiniciados todas as vezes que "morrem" e passam muito tempo vivendo repetições de uma mesma vida. Eventualmente, porém, podem ser trocados de narrativas.

A história começa efetivamente quando Dolores (Evan Rachel Wood), a anfitriã mais antiga do parque, começa a ter aquilo que separa os robôs dos visitantes: memória. A memória é, essencialmente, um privilégio humano. Ao ganhar a habilidade de lembrar, a personagem desenvolve uma inquietude e uma necessidade de libertar a si mesma e a outros anfitriões dessa repetição constante.

Maeve (Thandie Newtow) é outra anfitriã que também começa a "acordar". Ela é a dona do saloon da cidade, uma cortesã. Mas essa nem sempre foi sua vida. Ela se lembra de quando morava no campo e tinha uma filha que amava muito. Então, reencontrar essa filha passa a ser tudo em que ela pensa a partir daquele momento.

Ford (Anthony Hopkins) é a mente criativa do parque e, ao lado de Bernard (Jeffrey Wright), estabeleceu o curso da vida dos anfitriões. Mas a empresa Delos esconde alguns segredos, inclusive a permanência de William (Ed Harris), genro do dono no parque, que circula pelo lugar e quer destruir tudo o que ele representa.

Dolores e Maeve, principalmente, seguem numa jornada para encontrar a liberdade, cada uma à sua maneira. Um labirinto é usado como metáfora para essa nova consciência e também para a busca do Além do Vale, um lugar onde supostamente todos os anfitriões podem escapar do controle do parque. É esse impulso que faz Dolores se rebelar completamente e começar a guerra entre máquinas e humanos.

A Porta 

No caos que se torna o parque depois que os anfitriões passam a ser capazes de ferir os humanos, Maeve segue sua busca pela filha. Porém, ao encontrá-la, descobre que outra anfitriã foi designada para ser sua mãe. Ciente de que não reviverá sua história, Maeve (que adquiriu a habilidade de controlar outros robôs) resolve, então, levar a menina e sua nova mãe para o Vale.

Na segunda temporada, a jornada de Dolores na busca pelo Vale esbarra na descoberta de que, no anfitrião que se passava por seu pai, está encondida uma unidade de armazenamento que reúne dados de todos as pessoas que já passaram pelo parque. Essa unidade é representada como uma esfera que cabe na palma da mão e que é, também, como se fosse o "cérebro" do robô.

Ela descobre, mais tarde, que o Vale que vem procurando é, na verdade, uma instalação secreta da Delos, onde essas informações sobre visitantes são escondidas e usadas como base para um projeto de cópias que concedam imortalidade aos humanos. Nessa instalação, há também uma nuvem para onde os anfitriões podem ser transferidos sem necessidade de seus corpos físicos --e livres de suas vidas escravizadas ao parque.

Essa nuvem é aberta como se fosse uma "porta" e, quando passam por ela, os anfitriões perdem seus corpos, mas podem ser transferidos para um mundo virtual seguro e livre. Maeve consegue atravessar a filha por essa porta, mas acaba sendo massacrada junto com os amigos (inclusive o robô de Rodrigo Santoro) pela segurança do parque. Dolores, então, percebe que aquela não é uma ideia real de liberdade e decide destruir tudo.

Bernard, contudo, diante da verdade sobre si mesmo (a de que também é um dos robôs), vive um conflito sobre quem deve proteger. Ele decide matar Dolores para impedi-la de destruir tudo, mas quando vê a humana Charlotte Hale (Tessa Thompson) esmagar tudo o que vê pela frente para manter o parque, ele se arrepende. Bernard, então, faz uma cópia exata de Charlotte e coloca dentro dela a unidade de armazenamento de Dolores.

Bernard (Jeffrey Wright) vive um dilema entre sua fieldade aos humanos e sua essência robô

Dolores mata a verdadeira Charlotte e assume sua posição, conseguindo finalmente sair do parque. Ela leva consigo outras cinco unidades. Uma delas do próprio Bernard, que ela reconstrói após chegar ao mundo real.

Dolores também remonta o próprio corpo, mas mantém a cópia de Charlotte, dando a ela uma das quatro esferas restantes. As três últimas, contudo, não sabemos de quem são. Do lado de fora, Dolores promete a Bernard continuar sua vingança contra aqueles que conceberam o parque. Uma luta que ele discorda que deva existir. E é assim que chegamos até a terceira temporada.

Admirável Mundo Novo 

Parce Domine, o primeiro episódio da nova temporada, começa com Dolores cumprindo sua promessa de alcançar os responsáveis por tudo o que o parque representa. O primeiro impacto para quem acompanhou a série até aqui vem da substituição do visual alaranjado do Velho Oeste americano para o branco e o metálico da paisagem futurista.

Enquanto Dolores traça seus planos de aproximação, um novo personagem é apresentado, oferecendo ao público a outra perspectiva, menos clean e menos solar, de uma realidade social distante de Dolores. Caleb apresenta um Aaron Paul em sua zona de conforto: vivendo um traumatizado e limítrofe personagem, que no decorrer do episódio chega a conclusão de que só precisa de algo real.

Durante a primeira metade do episódio, a sensação é realmente a de que o fã está vendo outra série. A presença de Dolores --dividindo a maioria das sequências com Caleb-- invoca alguma familiaridade. Mas até mesmo a ausência de enigmas fragmentados, ou de longos diálogos sussurrados que dizem pouca coisa, é sentida.

Com exceção da dúvida sobre se as sequências com Charlotte se passam antes ou depois de Dolores se desfazer do corpo dela, quase tudo segue uma inesperada linearidade. Dolores aparece com uma identidade falsa, tentando descobrir quem está por trás da Incite, que controla praticamente toda a tecnologia disponível.

Ela percebe que investiu no alvo errado, é descoberta, capturada, se liberta, mata todos os seus algozes e ainda tem tempo de colocar uma cópia de Martin Connells (Tommy Flanagan), fiel escudeiro do herdeiro da Incite, no seio da empresa. Tudo segue uma linha do tempo aparentemente natural e sem maiores firulas.

Mesmo a posição de Bernard nessa nova realidade é muito estabelecida. Fugitivo depois de ser responsabilizado pelo que houve no parque, ele aparentemente conversa consigo mesmo como se pudesse bifurcar a própria personalidade. Ele também consegue acessar uma versão menos "humana" de si mesmo e só tem um objetivo: voltar para Westworld.

É claro que mesmo nessa narrativa mais enxuta ainda estão as referências que fazem parte do DNA da série. Seja na maneira como Dolores interpreta sua espécie como "deuses" que estão invadindo a humanidade, ou no nome do sistema que compõe a Incite, chamado de Roboão, o filho do rei Salomão --aquele mesmo, da história bíblica, que quis dividir em dois uma criança e entregar cada parte a uma das mulheres que se declaravam mães.

Quando Dolores e Caleb se encontram (os dois que querem encontrar "algo real"), a série demarca que a televisão que está fazendo não é mais aquela sofisticada e lúdica que afastou espectadores, mas ganhou reconhecimento da crítica.

Ainda que muito bem produzida, com ótimas atuações e todo o verniz da marca HBO, Westworld assumiu o risco de ser mais objetiva, clara, acessível e, por consequência, comum. Ainda é cedo para declarar que talvez não exista um plano complexo por trás de tudo. Mas, a tirar por essa estreia, o reboot foi até um pouco desconfortável. Depois de tantas reclamações, vejam só... A aridez e complexidade do Velho Oeste deixaram uma irônica saudade.

A terceira temporada de Westworld é exibida todos os domingos, às 22h, na HBO.


Este texto não reflete necessariamente a opinião do Notícias da TV.

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