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DEPOIMENTO

Em 1990, Marcelo Rezende enganou polícia paraguaia com fitas de shows da Xuxa

Edu Moraes/RecordTV

Marcelo Rezende em sua casa, antes de descobrir que sofria de câncer no pâncreas - Edu Moraes/RecordTV

Marcelo Rezende em sua casa, antes de descobrir que sofria de câncer no pâncreas

CARLOS AMORIM

Publicado em 26/9/2017 - 6h18

Marcelo Rezende (1951-2017) era um tanto gordo, até barrigudo. O rosto redondo e os cabelos ralos justificavam o apelido que demos a ele: Tela Cheia. Era um repórter agressivo, de voz rouca, em português rústico. Mas a aparência, um tanto grosseira, escondia um jornalista determinado e consciente do papel social da profissão.

Nós nos conhecemos no jornal O Globo, onde ele cuidava de assuntos ligados ao esporte. No diário carioca, desenvolveu uma linguagem simples, mas sempre focada em notícias explosivas. Rezende tinha essa mania de exclusividade nas coisas que fazia. Anos depois, nos reencontramos na TV Globo.

Fui diretor de jornalismo da emissora no Rio de Janeiro, no início dos anos 1990, quando ele trabalhava diretamente comigo em reportagens especiais. Por ocasião do sequestro do empresário Roberto Medina, dono da Artplan e criador do Rock in Rio, Rezende protagonizou uma caçada implacável aos sequestradores.

Certo dia (no ano de 1990), após a exibição do Jornal Nacional, o repórter sentou-se na minha frente e me contou uma história extraordinária: havia descoberto o paradeiro dos sequestradores de Medina. Os detalhes da investigação eram extremamente complexos e não cabe detalhar aqui todas as ranhuras, porque a história seria longa demais.

Rezende, me olhando fixamente, como era de seu estilo, me disse: "Os sequestradores estão em Assunção do Paraguai, e eu tenho o endereço. Quero ir até lá com uma equipe de policiais e um cinegrafista. Preciso de um avião fretado e que tudo fique em segredo absoluto".

Eu peguei o telefone e liguei para o diretor da Central Globo de Jornalismo _à época, Alberico de Souza Cruz. Disse ao nosso chefe maior que sabíamos onde estavam os sequestradores, em busca de autorização para gastar uma boa grana e realizar uma operação clandestina, não reconhecida pelos governos brasileiro ou paraguaio.

Era mesmo uma aventura, que poderia ter resultados desastrosos, como de fato teve. Mesmo assim, fui autorizado a prosseguir na empreitada. Marcelo Rezende e o cinegrafista, além dos policiais civis do Rio, chegaram em um voo fretado. A falta de uma justificativa para a viagem despertou o interesse das autoridades paraguaias.

Quando Rezende e a equipe chegaram ao aeroporto de Assunção, fizeram de conta que não se conheciam. Andaram separados. Mas o destino conspirou contra eles: a primeira pessoa que Marcelo Rezende viu no saguão de desembarque foi exatamente um dos sequestradores, e o cara disse para ele: "Eu conheço você. É um daqueles repórteres da Globo". Ele desconversou e disse que estava de férias. O encontro se desfez rapidamente.

Rezende, o cinegrafista e os policiais se hospedaram em um pequeno hotel próximo ao endereço dos criminosos, num bairro residencial de Assunção. Combinaram que o ataque seria no dia seguinte, pela manhã. Deu tudo certo. Aparentemente.

A equipe da polícia do Rio, totalmente desarmada, invadiu o endereço dos sequestradores e deteve três deles. No grito. Os homens não ofereceram nenhuma resistência. Mas o projeto estava totalmente prejudicado.

A guarda nacional paraguaia, comandada pelo general Sanches, já havia apreendido o avião no aeroporto, prendido o piloto da TAM (hoje Latam) e seguia discretamente o grupo de brasileiros.

Quando todos voltavam para o aeroporto, foram cercados por um enorme grupo de policiais paraguaios. Receberam voz de prisão e foram levados para uma instalação militar desconhecida do grande público, onde a ditadura de Alfredo Strossner (1912-2006) já havia cometido muitas atrocidades. No quartel, o general Sanches os acusou de terrorismo, pirataria aérea e sequestro.

A partir desse momento, criou-se um enorme impasse diplomático entre Brasília e Assunção: uma equipe da Globo, acompanhada de policiais, desaparecera na capital do Paraguai. Um jato da TAM estava arrestado e a tripulação, presa. Quando soube do desaparecimento de todos eles, entrei em contato com a alta direção da Globo para tentar algumas providências.

A emissora falou com o então presidente Fernando Collor sobre o incidente, e eu fiz contato com o então governador do Paraná, Álvaro Dias, para iniciar uma negociação que trouxesse de volta nossos repórteres e os policiais cariocas.

Dias, até pela proximidade das fronteiras, mantinha estreitas relações com o governo paraguaio. Toda essa gestão diplomática resultou na liberação dos brasileiros e na permissão de que os sequestradores fossem repatriados ao Brasil, sem nenhum processo de extradição. Foi um acordo entre governos.

Mas o general Sanches não ficou nada satisfeito. Mandou apreender todas as fitas gravadas, desde a saída do Rio de Janeiro até a prisão dos criminosos. Só que no Paraguai não havia, naquela época, equipamentos de reprodução de áudio e vídeo Sony Beta. Então a polícia aceitou algumas fitas sem saber o que havia dentro delas. Marcelo Rezende entregou a Sanches alguns shows da Xuxa e arquivos sem nenhum valor. Todas as gravações daquela aventura sobreviveram.

Rezende, o câmera, os policiais e os presos chegaram ao Rio de Janeiro na madrugada de sábado para domingo, a bordo do jatinho da TAM, também liberado. O meu problema era editar o extenso material gravado e colocar no ar no Fantástico daquele domingo. Ninguém dormiu naquela noite.

A reportagem, com 26 minutos de duração, foi exibida. Mas só ficou pronta quando o Fantástico já estava indo ao ar. Foi uma das maiores audiências já registradas, além de um furo de reportagem notável. O trabalho exigiu nervos de aço, como diria Lupicínio Rodrigues (1914-1974) na música famosa.

Mas essa não foi a única vez que eu e Marcelo Rezende tivemos aventuras na TV Globo. Em 1991, quando participei da direção do Rock in Rio II, tive a ideia de abrir a cobertura do festival com uma imagem aérea do Maracanã, onde havia um anel de luzes de neon azul sobre o estádio.

A imagem seria mostrada de um helicóptero, e Rezende diria: "Vai começar o maior show de rock do planeta". Alguns minutos antes da transmissão, onde eu fazia o controle mestre do evento, com Roberto Talma e Boninho encarregados do corte do show, o repórter me informou pelo rádio que havia uma pane hidráulica no helicóptero. Respondi: "Só preciso que vocês fiquem aí por mais 30 segundos".

Rezende acrescentou, num tom dramático: "Nós vamos cair". Naquela eletricidade de início do festival, eu disse a ele: "Se cair, caia gravando". Deu tudo certo na abertura do Rock in Rio, mas o helicóptero fez um pouso de emergência no aeroporto Santos Dumont. De fato, havia o risco de um desastre.

Esse foi o Marcelo Rezende que conheci. O cara gostava do perigo. Foi autor de reportagens notáveis na Globo. Depois, fez escolhas diferentes. Mas, na minha memória, é o velho Tela Cheia de sempre.

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