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Memória da TV

Em 1982, pressão de construtoras impediu reprise de novela na Globo

Divulgação/TV Globo

Milton Moraes e Betty Faria em cena de O Espigão, novela de 1974 vetada pela Globo em 1982 - Divulgação/TV Globo

Milton Moraes e Betty Faria em cena de O Espigão, novela de 1974 vetada pela Globo em 1982

THELL DE CASTRO

Publicado em 12/7/2014 - 16h52
Atualizado em 13/7/2014 - 5h39

A pressão de construtoras cariocas impediu a reprise de uma novela da Globo em 1982. O Espigão, exibida originalmente pela emissora em 1974, no horário das 22h, teve um compacto anunciado para 9 de agosto daquele ano, no lugar da minissérie Bandidos da Falange, censurada às vésperas da estreia. Mas, no horário previsto, a Globo exibiu um especial sobre o pastor suicida Jim Jones (1931-1978).

O público perguntou o que havia acontecido com a trama de Dias Gomes (1922-1999), que denunciava a especulação imobiliária. A emissora colocou a culpa na Censura, que realmente atuou na história, mas não estava sozinha.

No Jornal do Brasil de 15 de agosto de 1982, a jornalista e apresentadora de TV Cidinha Campos, que estava entrando para a política, desvendou o assunto:

“Toda essa mudança que, a princípio, pode parecer estratégia de programação, tem outros envolvimentos. A Censura [Federal] resolveu que a Globo também precisa seguir as regras do jogo e, por outro lado, os empresários não permitiram a volta de uma novela que denuncia a ação ilegal das construtoras e imobiliárias. Se na sua estreia, há algum tempo atrás, já houve problemas, por que trazê-los à tona mais uma vez?”

E completou: “Sabendo da influência da Rede Globo, os empresários pressionaram para a novela não entrar no ar. E isso foi feito de uma maneira terrivelmente convincente: se a novela fosse reprisada, as construtoras e imobiliárias não colocariam mais anúncios nos classificados de O Globo”.

“Por livre e espontânea pressão, a emissora optou pelo Pastor do Diabo, jogando a culpa na Censura por mais esta reapresentação. E, depois, mais valem dois anúncios de espigões em O Globo do que qualquer movimento reivindicatório na televisão”, finalizou a atualmente deputada estadual do Rio de Janeiro.

Na Folha de S. Paulo de 27 de agosto de 1982, a crítica Helena Silveira (1911-1984) também comentou o caso. “Enquanto se aguardava a liberação de Bandidos da Falange, a Globo nos acenou com um condensado de O Espigão. Este, inexplicavelmente, não veio. Será que o que foi liberado em tempo de repressão é, agora, interdito, em tempo de abertura? As emissoras, diante de poderes coercitivos que as impedem de dar ao público a realidade brasileira e não a alienação, deveriam por a boca no trombone. Não o fazem”.

Dessa forma, o compacto de O Espigão, que teve até nova abertura preparada por Hans Donner e relançamento da trilha sonora, nunca foi ao ar. O fato não é citado em materiais da emissora, como o livro Dicionário da TV Globo (Jorge Zahar Editor), lançado em 2003, e o site do projeto Memória Globo.

Trama

O Espigão estreou no dia 1º de abril de 1974, e foi exibida até 1º de novembro do mesmo ano. Com 112 capítulos e estrelada por Milton Moraes, Carlos Eduardo Dolabella, Susana Vieira e Betty Faria, a trama desenvolvia-se no Rio de Janeiro, onde Lauro Fontana, personagem de Moraes, queria construir o hotel mais moderno do mundo, o Fontana Sky, popularmente conhecido como Espigão, com uma piscina em cada andar e uma rampa de acesso exclusivo para cada apartamento.

O ator Claudio Marzo em cena de O Espigão, que denunciava a especulação imobiliária

Fontana queria construir o edifício numa área do bairro de Botafogo, pertencente a quatro irmãos. O pai deles, antes de morrer, pediu que conservassem a mansão que ficava no terreno. Dos quatro, apenas um deles, o playboy vivido por Dolabella, queria fechar o negócio e torrar o dinheiro na noite carioca.

No final da novela, o terreno foi vendido e o edifício, construído. Mas a Globo não escapou da pressão de algumas incorporadoras na época, já que a especulação imobiliária avançada no Rio de Janeiro. Em 1982, a situação era ainda pior.

Uma curiosidade envolvendo a novela é que, a partir dela, o termo espigão foi incorporado ao vocabulário popular, como sinônimo de arranha-céu, virando até verbete do dicionário Aurélio. É comum em São Paulo (SP), por exemplo, as pessoas se referirem aos espigões da avenida Paulista.

Outro fato inusitado é que o empresário Sérgio Dourado, grande nome do mercado imobiliário do Rio de Janeiro naquela época, foi confundido com Lauro Fontana, sendo agredido por um grupo que protestava no lançamento de um prédio na cidade. Dourado é citado na música Carta ao Tom 74, de Toquinho e Vinícius de Moraes, que igualmente aborda a especulação imobiliária.

Bandidos da Falange

Bandidos da Falange, que deu origem à controvérsia da reprise de O Espigão, iria estrear no dia 9 de agosto de 1982, mas foi proibida pela Divisão de Censura e Diversões Públicas do Departamento de Polícia Federal alguns dias antes.

De acordo com a Folha de S. Paulo de 6 de agosto daquele ano, depois de examinar os cinco primeiros episódios que lhe foram remetidos pela emissora, a Censura pediu para analisar a série completa, que tinha 20 capítulos. “É um seriado que tem cenas fortes, de extrema violência”, argumentou Euclides Mendonça, então chefe da Censura, à revista Veja de 8 de setembro de 1982.

Escrita por Aguinaldo Silva, com a colaboração de Doc Comparato, a trama mostrava a violência do cotidiano do Grande Rio, utilizando a experiência de dez anos do autor como repórter policial.

Após muita discussão e cortes de cenas, a minissérie foi finalmente liberada e exibida entre 10 de janeiro e 4 de fevereiro de 1983, estrelada por Betty Faria, José Wilker e Nuno Leal Maia.

Stênio Garcia e Grancindo Junior na minissérie Bandidos da Falange, de Aguinaldo Silva

Veja vídeo com a vinheta de abertura do compacto de O Espigão:


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