Índia estuprada em Dois Irmãos sofreu abuso sexual na vida real

A personagem Domingas da minissérie Dois Irmãos é a primeira de Zahy Guajajara na televisão, e logo de cara ela já teve que encarar um grande desafio: interpretar uma personagem que é estuprada. A atriz de 27 anos colocou suas emoções pessoais na performance: ela também já sofreu de abuso sexual e precisou de muita concentração e força para concluir o trabalho.

"Foram as cenas mais difíceis de fazer, porque eu passei por coisa parecida na minha vida. Por outro lado, isso me libertou. [A cena de assédio] não foi repetida, eu estava sofrendo tanto que Luiz [Fernando Carvalho, diretor artístico] me poupou. Lembro que, antes de começar a gravar, eu entrava no mato, me ajoelhava, chorava, batia no chão. Fiz meu ritual para poder seguir. Mexeu com meu sentimento, parece que eu passei por isso para poder fazer essa cena. Foi uma coisa maluca, bem forte para mim", conta.

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Na sequência, exibida no capítulo de ontem (10), Domingas não apareceu sendo violentada. Após ser assediada por Omar (Matheus Abreu), ela surgiu com as roupas rasgadas e chorando enquanto se lavava. Do ato sexual, nascerá, no capítulo desta quarta, o narrador da história, Nael (Irandhir Santos).

Zahy nasceu e cresceu em uma tribo indígena na cidade de Barra do Corda, interior do Maranhão. Aos 19 anos, ela decidiu ir para o Rio de Janeiro e só então aperfeiçoou seu português. A índia morou na sede do Museu do Índio, se tornou ativista social e chamou a atenção de produtores de elenco da Globo.

Após passar por dois testes e ser escolhida pelo diretor Luiz Fernando Carvalho, Zahy começou o trabalho em Dois Irmãos. Ela confessa, no entanto, que ficou muito insegura no início, em meio a atores experientes. Quase desistiu.

"Pedi demissão, não estava me sentindo bem. Me sentia fora do ambiente, não estava conseguindo me desenvolver nos ensaios. Cheguei a mandar um e-mail pedindo desculpas, me oferecendo para ajudar a encontrar outra atriz. Ninguém me menosprezou, mas eu me sentia fora do grupo, era uma coisa minha", explica.

O diretor chamou Zahy para uma conversa e lembrou do discurso dela no teste: o desejo de representar todo o seu povo. "Ele me disse: 'Essa é a maior oportunidade que você está tendo de fazer isso. Aqui não tem nenhum ator melhor do que você. Para mim todo mundo é igual. Você é uma atriz genuína'. Eu entrei em choro. Depois desse dia, criei uma coragem devastadora, me soltei", relata.

Divulgação/Globo

Em Dois Irmãos, Domingas (Zahy Guajajara) terá um filho após sofrer um estupro

Domingas, a personagem de Zahy, é uma índia órfã que foi levada na infância para a casa de Zana (Juliana Paes/Eliane Giardini) e Halim (Antonio Calloni/Antonio Fagundes), para servir como empregada doméstica.

Zahy pondera que não chegou a sofrer preconceito explícito por ser de origem indígena, mas afirma que já observou olhares diferentes e sentiu que teve menos oportunidades por sua etnia.

Antes de ser atriz, ela enfrentou dificuldades na vida profissional. "Quando eu cheguei no Rio, ainda era muito matuta. Tentei procurar emprego, mas não tinha ensino médio e não conseguia encontrar. Trabalhei num supermercado, mas a arte já vinha dentro da minha veia".

De acordo com o último censo do IBGE, de 2010, existem 896 mil índios no Brasil. A atriz e ativista é uma grande crítica da falta de visibilidade, representatividade e oportunidades para os indígenas na mídia. Ela conta que fez teste para a novela Novo Mundo, próxima das 18h, mas não passou.

"É difícil ter uma carreira sólida. Tem muitos papéis de índios, mas chamam atores que se parecem, não dão muita oportunidade para índios atuarem. Eu adoro fazer papéis de indígena, mas não quero estar presa a isso. Hoje temos índios em diversas profissões, então por que não posso fazer um papel de advogada, professora? Conheço artistas indígenas que são muito capazes, mas não têm oportunidade de mostrar quão bons eles são. Precisamos de pessoas que acreditem e confiem em nós, que nos deem valor do jeito que somos”, declara.

Reprodução/Instagram

Além de ser atriz, Zahy Guajajara também trabalha como fotógrafa e como ativista social

Após Dois Irmãos, Zahy continuará a se dedicar a seus outros trabalhos artísticos: ela canta, é fotógrafa e também pinta quadros _todas as atividades têm como temática a questão indígena. A atriz deve atuar na peça de teatro Jamais ou Calabar, no segundo semestre, mas não quer criar muitas expectativas para sua carreira de atriz iniciante.

"Estou procurando não ficar tão ansiosa, acreditando que agora minha vida vai ser às mil maravilhas, que vou ser famosa. Não quero pensar nisso, Dois Irmãos para mim foi uma grande vitória. Todas as personagens que fiz até agora têm a ver com o que eu acredito, que é lutar pela questão indígena, dizer que nós também somos bons, podemos fazer grandes coisas", afirma.

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